Tragédias que ensinam — se a gente tiver coragem de ouvir
Hoje é 29 de maio.
Exatamente 40 anos atrás, o Estádio de Heysel, em Bruxelas, foi palco de uma das maiores tragédias da história do futebol. O que deveria ser uma celebração entre Juventus e Liverpool virou um cenário de horror: 39 mortos, centenas de feridos, e uma Europa perplexa diante da falência total da gestão de risco.
Quatro anos depois, em Hillsborough, mais uma tragédia envolvendo o Liverpool. Dessa vez, o inimigo foi a má gestão de fluxo, a negligência operacional, e a falta de leitura sobre o que uma multidão é capaz de fazer quando pressionada. Os torcedores não brigavam. Eles apenas queriam assistir ao jogo — e foram esmagados vivos.
Esses dois casos não foram acidente. Foram consequência direta daquilo que o Brasil ainda cultiva: improviso, zona cinzenta de responsabilidades e a falsa ideia de que tudo vai se resolver “na hora”.
Eu vivi isso de perto — e aprendi que multidão não se controla, se compreende
No Maracanã, onde atuei como gestor de segurança entre 2014 e 2016, aprendi com suor e atenção que o maior risco está em quem acha que sabe tudo. Trabalhei em jogos históricos, finais decisivas, na Copa do Mundo, Olimpíadas, Rock in Rio, UFC e dezenas de turnês internacionais. E o que mais me marcou não foi a grandiosidade — foi o comportamento da multidão.
Público e multidão não são sinônimos.
Como dizem Gabriel Tarde e George Rudé: “Público é um espaço de coesão mental entre indivíduos fisicamente separados.
Multidão é um espaço de coesão diante de interesses comuns entre indivíduos fisicamente unidos.”
Esse detalhe muda tudo. Porque, como também ensinava Berlonghi, qualquer grande evento é uma equação entre tempo, espaço e movimento — e se um desses falha, o sistema colapsa.
Bauman dizia que vivemos em tempos líquidos, sem estrutura, onde tudo escorre por entre os dedos — inclusive a segurança.
Massimo Fornasier, mais recentemente, mostra como o comportamento coletivo pode ser modelado matematicamente. Mas mesmo com toda essa teoria, o mais importante segue sendo algo simples: ou você entende a lógica da multidão, ou vai ser atropelado por ela.
Por isso uso, ensino e defendo a aplicação de ferramentas como o CSD — Certezas, Suposições e Dúvidas. Porque segurança de multidão não é força. É inteligência aplicada.
O Selo Seguro: minha proposta para o Brasil parar de aprender com tragédia. Depois de mais de 30 anos lidando com grandes públicos, proponho um o à frente: o Selo Seguro, uma certificação nacional baseada em sete pilares práticos que qualquer evento sério deveria atender. Aqui não tem firula — tem checklist real:
1. Análise de Riscos - ISO 31000, Bow-Tie, SWOT. Sem diagnóstico, não tem plano.
2. os - Entradas, filas, revista, contingência. Onde começa o evento — e onde tudo pode dar errado.
3. Protocolos e Projetos - Projeto de Safety e Security, procedimentos e processos testados, com simulações e comando de crise.
4. Estruturas - Palcos, arquibancadas, torres e iluminação com laudos, ARTs e projeto técnico.
5. Gerenciamento de Crises - Tem plano B? Tem rádio? Tem comunicação entre todas as equipes?
6. Saídas de Emergência - Visíveis, sinalizadas, íveis e com pessoal treinado.
7. Treinamento - Se a equipe não sabe agir, é só multidão do outro lado da grade também.
Eu entendo que; "A gestão e o gerenciamento eficaz do público ou multidão não é alcançado pela simples tentativa de controlá-los, mas pelo ato de compreender seu comportamento e as variáveis que podem afetar isso."
Chega de perder vidas para aprender o óbvio! Heysel e Hillsborough não podem ser apenas páginas viradas. Elas são faróis.
E o Selo Seguro é meu convite para que o Brasil pare de apagar incêndios — e comece a prevenir tragédias com seriedade.
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